A advogada e influenciadora Deolane Bezerra, investigada pela Operação Integration, voltou a ser destaque nos noticiários após ser presa pela segunda vez na terça-feira (10). Atualmente, ela está detida na Colônia Penal Feminina de Buíque, em Pernambuco.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) e a Polícia Civil do estado alegam que a advogada teve a prisão domiciliar revogada por violar medidas cautelares, como conceder entrevistas à imprensa e realizar postagens nas redes sociais.
No entanto, especialistas jurídicos contestam o posicionamento do TJ e da Polícia Civil, apontando interpretações divergentes quanto à aplicação das medidas cautelares.
Presidente da Associação dos Advogados Criminalistas da Bahia, Joel Mendes afirmou que não vê adequação ou proporcionalidade na prisão imposta à advogada Deolane. Ele destacou que a legislação processual penal oferece diversas medidas cautelares alternativas à prisão, que poderiam atender satisfatoriamente aos interesses do processo.
Entre essas medidas, o advogado mencionou a proibição de acesso às redes sociais, a proibição de postagens relacionadas a jogos e sorteios de qualquer espécie, a retenção do passaporte e o monitoramento eletrônico com tornozeleira. Para o especialista, essas alternativas seriam suficientes para proteger o resultado útil do processo.
“Há um evidente excesso e desrespeito à legislação processual penal, não há previsão legal para automática decretação da prisão em caso de descumprimento das medidas cautelares diversas mas, tão somente em último caso e, antes disso, deve-se avaliar a substituição da medida ou impor outra medida de forma cumulativa”, disse Mendes.
Já o advogado criminalista Caio Guerra Gurgel apontou que, no caso da segunda prisão de Deolane, algumas questões precisam ser observadas. Ele explicou que a advogada recebeu prisão domiciliar com medidas cautelares alternativas, mas a medida que a Polícia Civil e o Tribunal de Justiça de Pernambuco alegam que ela descumpriu – a proibição de se manifestar na imprensa e nas redes sociais – não está prevista na legislação, especificamente no artigo 319.
Segundo Gurgel, o Tribunal utilizou o chamado Poder Geral de Cautela para criar uma medida específica para o caso de Deolane, o que ele considera uma questão complexa. Ele comentou que, embora fosse aceitável proibir a advogada de divulgar plataformas de jogos de azar e afins, a proibição de se manifestar publicamente não seria adequada. Gurgel acrescentou que, como pessoa pública, a manifestação é também uma forma de defesa e permite que ela exerça seu direito ao contraditório e à ampla defesa.
“Embora você encontre um fundamento nesta segunda prisão, diferentemente da primeira que não havia, entendo que o Tribunal poderia percorrer outras medidas anteriormente, poderia ter marcado essa audiência conforme prevê a própria lei. Mas, infelizmente, tenho que lhe dizer isso, sou advogado há 12 anos, e na prática o que acontece é isso, quando as pessoas, na maioria dos casos, descumprem a medida diversa da prisão, o juiz acaba decretando a prisão novamente”, protestou.
Sala de Estado-Maior
O presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), Victor Gurgel, reforçou que, de acordo com a Lei 8906 de 1994 (Estatuto da Advocacia), o direito à prisão em Sala de Estado-Maior se aplica a advogados até que sejam julgados com decisão transitada em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso.
“Você me pergunta em que situação a advogada tem direito à prisão em Sala de Estado-Maior. Em todas, independentemente do suposto crime cometido, até ela ser julgada com decisão transitada em julgado, ou seja, quando não couber mais recurso, é o direito do advogado e da advogada ser custodiado em Sala de Estado-Maior. E não havendo Sala de Estado-Maior, o Estado não oferecendo isso, fica em prisão domiciliar. Então, é o caso dessa colega lá em Pernambuco. É uma sala que tem uma estrutura, com uma mesa para trabalho, não é uma penitenciária normal. Não havendo isso, ela pode pleitear a prisão domiciliar”, explicou.
O que resta à doutora?
O criminalista Otto Lopes observa que, desde o advento do chamado “Pacote Anticrime” (Lei 13.964/19), ficou consolidado que a prisão preventiva deve ser sempre a última medida cautelar a ser adotada, exigindo-se a demonstração do periculum in libertatis, como risco à ordem pública, à ordem econômica, à conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, o que, segundo o especialista, não se verifica no caso em questão.
Ele ainda argumentou que não houve descumprimento das medidas cautelares, uma vez que, conforme a decisão, a advogada deveria comparecer ao cartório para assinar o termo de compromisso e tomar ciência das medidas cautelares que lhe foram impostas.
Deolane foi informada de que a prisão domiciliar havia sido revogada por descumprimento das medidas cautelares somente quando foi ao Fórum no Recife para assinar os termos da prisão domiciliar, no início da tarde desta terça-feira (10).
“É impossível descumprir aquilo que não se tinha conhecimento e não havia assinado o termo de compromisso”, destacou.
Quanto à possibilidade de reverter a situação e obter novamente a prisão domiciliar, Lopes sugeriu que, em primeiro lugar, na audiência de custódia, deve-se demonstrar a ilegalidade da revogação da prisão domiciliar e pleitear a nova concessão, conforme os artigos 310 e 287 do Código de Processo Penal (CPP).
Caso a ilegalidade persista, ele explica que é possível utilizar todos os recursos disponíveis, incluindo o habeas corpus, que pode ser dirigido ao Tribunal de origem, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou até ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Destaca-se que Deolane é mãe de uma criança menor de 12 anos de idade, Advogada, possui residência fixa, figura pública fácil de ser localizada e que não houve justificativa para de prima facie ser aplicada a prisão”, reiteirou o especialista.
A operação Integration
A Operação Integration, conduzida pela Polícia Civil de Pernambuco, investiga crimes de lavagem de dinheiro e jogos ilegais. Deolane foi acusada de estar envolvida em um esquema que movimentou cerca de R$ 3 bilhões provenientes de jogos de azar.
A advogada e sua mãe foram presas no último dia 4, em Recife. Deolane foi beneficiada por um habeas corpus e liberada após colocar uma tornozeleira eletrônica na segunda-feira (9). No dia seguinte, ela foi novamente presa. Até esta quinta (11), a advogada seguia detida após audiência de custódia.
O presídio em Buíque, para onde a advogada foi levada, é dividido em dois pavilhões e está superlotado, de acordo com o Sindicato dos Policiais Penais. São 107 vagas para 264 presas.
BNews